Todo mundo já ouviu falar da motocicleta Amazonas, a original, mesmo que nunca tenha visto uma ao vivo. Mas e a Kahena, alguém aí conhece? Poucos conhecem e muita gente nunca viu nem ouviu falar dela. Mas essa moto tem uma história curiosa, que começa justamente com o fim da Amazonas, em 1988. Os dois criadores da Amazonas, Luiz Antonio Gomi e José Carlos Biston, se juntaram ao mecânico e torneiro Luis Carlos “Corote” e criaram o projeto de uma nova moto, que seria uma espécie de “evolução” da Amazonas.
Nascia a Kahena, que tinha duas características básicas parecidas com a Amazonas, o grande porte e o “motor de Fusca” com alguns de seus periféricos, mas que de resto era bem diferente.
Dois anos depois, em 1990, uma empresa de São Paulo, a Técnica Paulista de Máquinas (Tecpama), comprou esse projeto e se propôs a fabricar a moto em escala industrial. Aqui temos uma licença poética, pois a moto era feita quase artesanalmente, embora a produção acontecesse em uma fábrica mesmo, na própria capital paulista, com maquinário, gabaritos e tudo o mais. Em 1991 seis protótipos foram exibidos no Salão Duas Rodas de São Paulo.
Primeiras Kahena são de 1992
Mas as primeiras Kahena só ficaram prontas, mesmo, em 1992. Essa primeira versão tinha o sobrenome “LJ-16” e lembrava, bem de longe, uma Kawasaki ZX-11 dos anos 90. Tinha carenagem frontal, dois faróis redondos, um pequeno para-brisa, banco com laterais retas e traseira bem mais fina que a frente.
Nesse primeiro ano de produção, apenas 20 motos ficaram prontas e a empresa assumiu o compromisso de recompra imediata a qualquer momento em caso de insatisfação (incrível: somente um caso ocorreu) e manutenção em domicílio. Assim, os técnicos da fábrica prestaram serviços em Salvador, Porto Alegre, Curitiba e Brasília, além de São Paulo e algumas cidades do interior.
Em 1993 surgiram duas novas versões, as Kahena SS 1600 e ST 1600. A SS tentava ter uma aparência mais “esportiva“, mas era praticamente igual à LJ-16. Já a ST se propunha a ser uma sport-touring, e tinha para-brisa mais alto e baús laterais de fibra.
As motos agradaram e nove unidades foram exportadas para o Japão. E mais: todas com um side-car especialmente feito para a Kahena, e cuja parte frontal “copiava” a própria frente da moto, dando-lhe um ar de exclusividade.
Outras 15 motos foram enviadas para a Alemanha. Naquele mesmo ano surgiu a ideia de se fazer uma Kahena com o motor de 800 cm³ produzido pela Gurgel, mas a empresa que fazia jipinhos e carros urbanos fechou as portas e o projeto foi interrompido.
No ano seguinte, a Tecpama deu mais um passo e criou a Kahena PRF-1600, uma versão feita “especialmente” para a Polícia Rodoviária Federal. Na prática, era a ST 1600 com algumas alterações. A força policial comprou 25 unidades, todas com rádio e luzes de sinalização. Também foram criadas e vendidas algumas poucas unidades para as forças armadas.
No embalo, a empresa assinou contratos para a venda de 1.000 motocicletas para países europeus e outras 400 unidades para os Estados Unidos. Para atender a essa demanda, e mais a nacional que começava a crescer, seria preciso ampliar muito a fábrica.
m julho daquele ano, algumas unidades chegaram a ser exportadas, mas veio o “Plano Real” e a desvalorização da moeda americana de R$ 2,75 para R$ 1,00. Naquela época, a Kahena era exportada por US$ 8.300 (R$ 43.655 em conversão direta, hoje). A Tecpama teve que rever contratos, pois passaria a receber menos por moto. As dificuldades financeiras começaram, mas a empresa seguiu em frente.
Em 1995 a empresa ainda criou uma nova versão, desta vez bem diferente das anteriores: a Kahena Custom 1.600. O sucesso foi grande, mas era tarde. O dólar chegou à sua menor cotação em todos os tempos (R$ 0,82), o que inviabilizou as exportações e, ao mesmo tempo, fortaleceu a venda de motocicletas importadas de alta cilindrada no Brasil, o que inviabilizou a Kahena como concorrente.
Revistas estrangeiras falam da Kahena
Curiosamente, naquele mesmo ano, várias revistas estrangeiras falaram da moto – Motorrad e Temen & Fiends, na Alemanha; World Motorcycling e Bike S.A., na África do Sul; Motorcycle News, na Inglaterra; Motociclismo, na Itália; Moto Revue, na França; Cycleword, nos Estados Unidos; e Road, no Japão entre outras.
Assim como as outras Kahena, a Custom tinha motor Volkswagen 1.600 boxer refrigerado a ar, que rendia 65 cv a 4.600 rpm. Algumas “evoluções” foram feitas, como a adoção de bomba de gasolina mecânica no lugar da elétrica original e de alternador com ignição eletrônica no lugar do dínamo – sistema que estava somente nas primeiras unidades produzidas.
A moto ainda tinha uma transmissão de quatro marchas feita especialmente para ela com alavanca da ré separada, para acionamento com a mão, no lado direito, e embreagem hidráulica. Tudo ficava dentro de um quadro de aço pesadíssimo, com dupla trave em cima e em baixo.
A transmissão secundária era feita por eixo cardã em balança monobraço e os freios tinham disco duplo na frente e simples atrás. As rodas sempre foram de liga leve. As suspensões dianteiras tinham garfos telescópicos tradicionais, mas a traseira era feita por um único conjunto de mola e amortecedor, um monochoque enorme, que ficava instalado em posição inclinada e em diagonal, preso à parte interna do quadro lá na frente e à balança, lá atrás.
Outras curiosidades eram a bateria abrigada dentro do quadro, à frente do piloto, e o tanque, quase na mesma posição e que era de fibra de vidro.
Produção só por encomenda
Com a baixa do dólar e o real supervalorizado, em 1997 a produção passou a ser somente sob encomenda e apenas poucas unidades foram feitas até 1999, quando a produção foi interrompida. Em 2003 a Tecpama ainda tentou retomar o projeto da versão de 800 cm³, com um motor de fabricação chinesa que era uma cópia do motor boxer da BMW. Mas o projeto não foi pra frente e apenas um protótipo foi feito.
Segundo alguns relatos, foram fabricadas, no total, 434 motocicletas Kahena. Destas, 163 unidades foram exportadas para Japão, Alemanha e Estados Unidos. Então 271 unidades teriam sobrevivido no Brasil – entre “civis” e destinadas a órgãos públicos e militares. Hoje, algumas estão em museus e estima-se que menos de 100 Kahena rodem pelo país.